Capítulo 28 - O Papai Noel e o Ar-Condicionado: A Breve e Polêmica Vida do "Noel Fritz"

Capítulo 28 - O Papai Noel e o Ar-Condicionado: A Breve e Polêmica Vida do "Noel Fritz"
Ser Papai Noel no Brasil exige vocação, amor e uma resistência térmica sobre-humana. Enquanto o "Bom Velhinho" original vive no Polo Norte, eu vivo em Indaial, onde dezembro é sinônimo de um forno ligado na potência máxima. Certo ano, cheguei ao meu limite. A Sala do Papai Noel na Fundação Indaialense de Cultura era linda, mas era uma sauna. O ventilador, coitado, apenas rodava o ar quente. Eu suava em bicas por baixo do veludo e da espuma. Fui até o então prefeito, André Moser, e dei o ultimato: — Prefeito, assim não dá. Sem ar-condicionado, é impossível. Vou derreter antes do Natal. André, com aquele olhar maroto de quem vislumbra uma oportunidade de marketing, não prometeu um split. Prometeu uma revolução. — Não se preocupe, Jorge. Neste ano, você vai ser o Papai Noel Fritz! — Fritz? — perguntei. — Sim! Vamos honrar os colonizadores alemães do Vale. Nada de veludo. Você virá de bermuda, camisa summer leve, suspensórios, sapato aberto e sem meia. Vai ser o primeiro Papai Noel Fritz do Brasil! A ideia era genial. Era fresca (literalmente) e culturalmente relevante. Mandei fazer a roupa. Ficou um espetáculo. Eu me sentia leve, arejado e, confesso, muito charmoso com meus suspensórios bávaros. A estreia foi um sucesso estrondoso. A imprensa adorou, a mídia local cobriu, e cidades vizinhas começaram a olhar com inveja para a nossa inovação. As crianças acharam o máximo ver o Papai Noel "à vontade". Tudo ia bem, até que a Tradição (com T maiúsculo e mau humor) entrou na fila. Uma senhora de idade, muito distinta e muito brava, veio me visitar com a neta. Quando olhou para baixo e viu minhas canelas à mostra, ela não viu frescor; viu o fim dos tempos. — Papai Noel mostrando o joelho?! — exclamou, escandalizada. — Isso é um atentado ao pudor! Vocês estão manchando a figura do Bom Velhinho. Eu não admito isso! Eu tentei argumentar, falei do calor, da cultura alemã... nada. Ela foi embora bufando e fez o impensável: foi ao PROCON. Sim, ela foi ao órgão de defesa do consumidor registrar uma queixa oficial contra o joelho do Papai Noel. Foi tragicômico. Imagino a cara da atendente tendo que protocolar: "Cliente insatisfeita com a indumentária do fornecedor de presentes; alega exposição indevida de patela". Dizem que a atendente, segurando o riso, disse que encaminharia a reclamação para a "Diretoria do Polo Norte". A senhora não parou por aí. Foi à rádio, foi aos jornais. A cidade se dividiu num debate acalorado: Papai Noel deve ser clássico e suar, ou pode ser Fritz e fresco? O resultado da batalha? A tradição venceu pelo cansaço. No ano seguinte, o Papai Noel Jorge voltou a usar o tradicional vestuário vermelho, fechado até o pescoço. Ganhei o ar-condicionado (graças a Deus), mas perdi a liberdade dos joelhos de fora. O "Noel Fritz" durou pouco, mas entrou para a lenda. Foi o ano em que o Natal de Indaial foi mais alemão, mais fresco e, definitivamente, mais polêmico.

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