Capítulo 51 - O Silêncio das Cinzas e o Abraço do Guardião
Capítulo 51 - O Silêncio das Cinzas e o Abraço do Guardião
A vida de um Papai Noel profissional é, na maior parte do tempo, regida pelo barulho alegre dos sinos, pelos pedidos de brinquedos e pela euforia inocente da infância. Somos treinados para o riso, para o "Ho Ho Ho" que ecoa nos corredores e para a magia que brilha nos olhos dos pequenos. Mas, às vezes, a túnica vermelha atrai algo mais profundo do que desejos materiais. Ela atrai a alma humana em sua forma mais crua.
Ontem, o roteiro da alegria foi interrompido por um silêncio sagrado.
Em meio à fila de atendimentos, aproximou-se uma senhora de seus cinquenta anos. Não havia nela a leveza festiva típica da época, mas sim uma gravidade úmida no olhar. Sem dizer muitas palavras, trêmula e profundamente emocionada, ela depositou em minhas mãos enluvadas um pequeno pacotinho. Pesava cerca de 200 gramas. Ao tato, parecia areia fina.
Ela chorou. Um choro de quem entrega um tesouro. Disse apenas que era para mim e partiu, deixando no ar um misto de mistério e dor.
Foi minha "duende" assistente quem desvendou o enigma. Com a experiência de quem já havia trabalhado em cremação, ela me olhou com seriedade e sussurrou o que meu coração já suspeitava, mas minha mente tentava racionalizar: aquilo não era areia. Eram cinzas. Muito provavelmente, as cinzas de uma criança.
O conselho prático veio rápido: "Não leve para casa, Papai Noel. A energia é densa, é dor, é saudade. Devolva à natureza, a um riacho, deixe a água levar." O alerta sobre as intenções desconhecidas daquela mãe era válido no mundo físico, mas, naquele instante, meu espírito viajou para outra dimensão.
Por que eu? Por que entregar o que restou de seu bem mais precioso a um estranho vestido de velhinho?
Foi então que compreendi a magnitude da minha missão. Para aquela mãe, eu não era o Jorge, o ator ou o profissional. Eu era o Arquétipo. Eu era a Egrégora do Natal encarnada. Eu representava o Guardião da Inocência.
Ao me entregar aquelas cinzas, ela não estava se livrando de um peso, nem agindo com maldade. Pelo contrário, ela estava realizando um ato supremo de confiança. Ela estava entregando seu filho (ou a memória dele) aos cuidados da única figura que, em seu imaginário ferido, poderia garantir uma passagem segura para um lugar de pura bondade, onde o frio não existe e o amor é eterno. Talvez, em seu coração, ela quisesse que o Papai Noel levasse aquele anjo para o Polo Norte das almas — um lugar branco, puro e intocado.
Não havia maldição naquele pacote, havia um pedido silencioso de travessia.
Seguindo o conselho sábio e a intuição espiritual, decidi cumprir meu papel até o fim. Não levei aquele pacote para o santuário do meu lar, pois a minha casa é o meu refúgio. Mas também não o tratei como descarte.
Fui à natureza, ao encontro da água corrente, o elemento que tudo limpa e tudo leva de volta à fonte. Ao abrir o pacote e ver as cinzas se mesclarem à correnteza, não senti medo. Senti honra. Fiz uma oração silenciosa, não religiosa, mas humana:
"Eu recebo este gesto de amor e dor. Eu sou o portador desta esperança. Que estas cinzas voltem a ser pó de estrelas, livres e leves. Que a mãe que as carregou encontre o consolo de saber que seu tesouro foi entregue ao amor incondicional. Missão cumprida. Pode ir em paz."
Aquele presente inusitado me ensinou que o Papai Noel não serve apenas para dar brinquedos aos que estão começando a vida. Às vezes, ele serve para acolher, com seu manto vermelho e quente, aqueles que precisam se despedir. Naquele dia, as cinzas não representaram o fim, mas a transformação do luto em luz, através das mãos de um Bom Velhinho.

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