Familia de Janos Purgly no Brasil

Carta recebida de minha mãe, Dora Purgly Vargha em 10 de maio de 2012.
" Meu querido filho Jorge,
Vou escrever alguma coisa sobre o seu pai e em geral sobre a nossa familia.
Teu pai, János Purgly, nasceu em 10 de Abril de 1910 em Tompa Puszta na Hungria, no distrito de Csanádmegye, de uma familia muito importante e rica naquela época.
Ele foi uma pessoa muito inteligente e gostava de trabalhar, fosse na fazenda, onde ele inventava e construia qualquer máquina, ou fosse para trabalhar no campo ou na industria.


O pai dele, seu avô, Emil Purgly, era ministro da agricultura, e além disso ele tinha muitos outros cargos importantes, ele era primo da Magdolna Purgly, esposa do Almirante Nicolas Horthy e além de ser uma pessoa muito inteligente ele ajudou muito a Hungria, sua pátria.


Nós nos casamos no ano de 1936, teu pai e eu com 17 anos de idade (ele com 27 anos).


Naquela época a vida era bem diferente do que é agora. Teu pai nem me pediu a mão em casamento. Ele pediu a minha mão aos meus pais, e o meu pai, Barão László Guillány me chamou e disse: "Minha filha, você está noiva!" - De quem papai, perguntei. - Do János que veio nos visitar e nós, eu e a tua mãe aceitamos.


Eu pouco conhecia o seu pai e nem nos namoramos. Mas o que o meu pai dizia era sagrado e por isso também aceitei. Na época nós morávamos em Eperjes, pertecente à Slovaquia, atualmente chamada de Presov e eu fui morar com o meu marido na Hungria, onde ele tinha a fazenda dele em Zsofia Major.

Meus sogros moravam em Tompa Puszta, onde ficava a fazenda deles. Nós tivemos 3 filhos:

János Purgly (Jancsika, ou Joãozinho),
Madalena e 
Jorge Luis (este nascido aqui no Brasil, para onde viemos depois da Segunda Guerra Mundial).

Nós viemos como imigrantes da Hungria através da Austria que era um país vizinho. 

Infelizmente, meu primeiro filho morreu no ano de 1948, no dia primeiro de maio, na Hungria, em Budapeste, vitimado por uma doença chamada difteria.

Eu tinha 3 irmãos.
O mais velho, Ladislau Guillány e o seu filho com poucos meses de idade morreram durante a segunda guerra mundial na própria casa deles, onde caiu uma bomba. Eles estavam ali refugiados porque parecia ser o lugar mais seguro para se salvar do bombeamento e explosões que estavam ocorrendo.

Minha cunhada e a sua filha, ficaram vivas porque haviam saído para buscar agua no momento em que a bomba caiu. Entretanto, o filho do caseiro que também estava com eles morreu. Somente meses depois pudemos enterra-los em um armário no jardim, pois haviam muitos escombros, tijolos e entulho caidos sobre eles.

A viúva e a filha depois, passaram a morar junto conosco na casa do meu sogro, teu avô. No nosso apartamento em Buda, tambem teve um quarto destruido e nos outros quartos moravam duas familias que tambem perderam tudo.

A vida era difícil. Não havia comida e as pontes entre as cidades de Buda e Pest (capital da Hungria) foram todas destruidas. Nós também perdemos tudo.

Depois da morte do meu filho resolvemos emigrar. Levamos pouca  bagagem, principalmente roupas para minha filha. 

Fomos para Viena na Austria, onde o país estava dividido em várias zonas de ocupação. A zona de ocupação Russa, a zona de ocupação Inglesa e a zona de ocupação Americana.

Depois de uma longa viagem e depois de andar muito a pé, chegamos a Salzburg na Austria, onde o consul do Brasil, Sr. Azambuja, atuava junto a IRO - International Rescue Association, uma organização de amparo aos refugiados, onde ele buscava imigrantes para trabalhar no Brasil.

Meu marido aprendeu ainda na Hungria a fazer tecidos com um tear de madeira e pretendia aqui no Brasil, começar a tabalhar desta forma. Nós fomos tambem escolhidos para a imigração e nos transportaram de trem através da Alemanha junto a uma cidade chamada Bremen Haven, e depois tomamos um navio através do Porto de Biscaia para o Brasil, com destino ao Rio de Janeiro.

Infelizmente o navio que nos coube era um navio pequeno, cheio de buracos, oleo e fumaça. Era um navio de guerra inglês, onde apenas o capitão era inglês e todo o trabalho de bordo precisava ser feito pelos próprios passageiros. Naturalmente os homens foram separados das mulheres e crianças.


E aconteceu que começou a entrar agua no navio e o navio começou a afundar. O capitão pediu SOS, isto é, ajuda, para outros navios e somente com ajuda conseguimos chegar ao Porto de Vitória no Espirito Santo, onde o navio sofreu reparos. Fomos impedidos de sair de bordo e depois de 2 dias fomos conduzidos com o navio para a Ilha das Flores no Rio de Janeiro. Duas crianças que haviam morrido no navio foram enterradas em Vitória. Lá não pudemos sair do navio, mas a população local foi muito boa para nós. Levaram um caminhão repleto de frutas, principalmente bananas, que eram jogadas pelos moradores para nós no navio.

No navio eu caí e tive o meu braço engessado bem como a minha mão pois haviam pensado que estava quebrado. Não havia radiografia no navio, mas no Rio de Janeiro, após os exames, o médico mandou retirar as faixas a fim de evitar que o meu braço ficasse paralizado.

Chegamos ao Rio de Janeiro, no mes de maio, em meio a muito calor. Minha filha estava muito magra e nos disseram que o clima  de São Paulo era melhor e por isso decidimos vir. Havia um trem ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, com parada em Campo Limpo Paulista. 


Em São Paulo, o meu braço foi tratado no então Hospital Matarazzo e felizmente ficou curado de modo que escapei de ficar aleijada.


Nós trouxemos um tear de madeira que havia sido encomendado em Salzburg mas que nao havia ficado pronto e assim, meu marido, pai do Jorge, terminou ele mesmo a construção do tear. Nós alugamos um quarto em uma pensão na Rua Frei Caneca na capital de São Paulo, e assim que foi possível começamos a tecer.


Pagamos um contador, o Sr. Kato, que nos ajudou a registrar a firma "Tecelagem Dora". e assim podiamos emitir notas fiscais.


Começamos com 2 kg de lã. Como nossos tecidos eram bonitos, havia procura e construimos um tear maior. Depois, alugamos a garagem da pensão, onde começamos a trabalhar.


Fizemos amizade com o Sr. Paulo Assumpção, de era dono de uma tecelagem e fiação e passamos a comprar o algodão tingido dele. Era em sacos que ele nos mandava os fios.


Entre outros clientes tinhamos a Tecelagem Francesa, localizada na Rua Barão de Itapetininga onde havia uma loja. Desenvolvemos para eles amostras esclusivas e os negócios começaram a melhorar.


Alugamos uma casa na Rua João Julião, no Paraíso. Naquela época havia um grande buraco entre a rua João Julião e a Rua Vergueiro e o hospital Osvaldo Cruz ainda não havia sido construido.


Foi nesta época que você nasceu, Jorginho.


Eu ajudava o seu pai na tecelagem, comprava os fios e vendia os tecidos. Até o último momento, enquanto eu estava esperando você, eu trabalhei. Deus foi bom conosco. Você já é brasileiro nato e espero que jamais você venha a saber como é horrível uma guerra.

Depois, compramos terrenos em Guarulhos, SP, na Vila Galvão e começamos a construir, primeiro com apenas um pedreiro, a fazer primeiro a tecelagem e depois a nossa casa para moradia. Nos mudamos para lá e continuamos a vender para os clientes de São Paulo.


Este foi o começo.


Tua irmã, Madalena, continuou morando na cidade de São Paulo e ela  vinha para casa aos finais de semana, para a Vila Rosália, pois ela estava estudando no Colégio Les Oisoase e posteriormente no Colégio Dante Alighiere onde se formou em Contabilidade, e ficava longe ela ir para a escola a partir de Guarulhos.


Papai era um inovador e um inventor. Ele construiu maquinas para fiação de fios buclê e botonê e tinhamos máquinas de Jacquard também.


Um dia, apareceu um senhor lá na fabrica fazendo muitas perguntas. Seu pai mostrou tudo para ele, as máquinas, os produtos e os inventos, bem como os tecidos feitos. O resultado foi que os concorrentes imitaram tudo, até mesmo os desenhos dos tecidos e começaram a produzir em grande quantidade.


Com a produção em larga escala e a baixo custo, os nossos clientes deixaram de comprar de nós e assim acabou-se a tecelagem.


Um dia, meu marido chegou em casa e simplesmente disse para mim que havia vendido todas as maquinas para poder idenizar os empregados. Eu apenas disse: "-E agora, o que vamos fazer..." Meu marido simplesmente respondeu: - "Comprei um torno de madeira". "Vamos trabalhar com madeira."


Eu disse: "Meu Deus, você jamais trabalhou com madeira." - "Vou aprender, ele respondeu."


E ele aprendeu mesmo.
Compramos tornos de madeira e uma serra elétrica e começamos a produzir artigos para presente feitos em jacarandá da Bahia. Entretanto os produtos no começo eram tão feios que tinhamos dificuldade em vender. Depois, ele começou a produzir pés de abajour de madeira. Este produto teve uma saída melhor.

Passamos a vender para as lojas de lustres da Rua da Consolação em São Paulo. A Loja de Lustres Yamamura foi uma das maiores em compras e um excelente cliente. E eu continuava a vender.

Meus filhos estudavam bem. Madalena em São Paulo e Jorge em Guarulhos. Ele fez engenharia elétrica na Universidade de Mogi das Cruzes. Quando ele terminou ele mesmo pagou todas as suas despesas. 

Achei umas fotografias antigas da nossa tecelagem de Vila Galvão.
Mas estou sem achar as fotografias dos 10 saguizinhos que tinhamos soltos no jardim. Papai até construiu uma casinha que podia ser aquecida nos dias de frio. Nos chamávamos o casal de macaquinhos de Chico e Chiquinha e eles vinham receber a comida deles em cima do balaustro. Um deles até te arranhou no rosto, Jorge, se lembra.

Depois de uns anos, veio uma doença e eles morreram um a um. Todos eles, um após o outro. Cada vez que um deles morria, os outros choravam como crianças. Nós também choramos muito, porque gostamos deles."

Aqui a carta é interrompida, com sinais de lagrimas caidas sobre o papel. 
A seguir, continua.

"Escrevi muita coisa. Espero que seja possível ler.
Com muitos beijos e um grande amor, sua mãe, Dora".

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